
Era uma tarde como todas as outras no escritório de Investigação da Polícia. Dia cinzento, torres de burocracia, café e donuts. Tudo no seu devido lugar.
De repente, uma ligação anônima. Em um pequeno cortiço nos confins da Zona Sul, som de tiros. Mais um dia na velha Copacabana.
Ao lado de um bordel e de um pet shop, há um prédio de fachada descascada, onde moram pessoas de pele descascada e onde as putas satisfazem seus prazeres. Lugar de escória e filhos da noite. Cada andar, um problema. Alcoólatras, solitários, prostitutas, infiltração e drogados. Era a matriz coorporativa do Purgatório.
O procedimento era básico. Entravam, tiravam fotos, faziam análise forenses, buscavam entrevistar os vizinhos (“Não somos Narcóticos, somos Homicídios”), botar tudo na ficha e seguir seu caminho.
Chegando ao local, dificuldade para abrir a porta. A fechadura estava corroída pela maresia e melada de gordura de outras mãos, outros corpos. Enfim, entraram.
O cheiro era o pior que se pode imaginar. Uma mistura de inhaca de gato, merda e cadáver em decomposição. Os detetives tiveram que tampar seus narizes. Outros adicionaram o cheiro de vômito.
As paredes eram de papel de parede escuro. Pelos desenhos, parecia década de 1950. Assim como todo o resto da casa. O teto, sujo e empoeirado, abrigava somente um ventilador que rodava vagarosamente e produzia um chiado irritante. A sala, obviamente, não era limpa há décadas. Todo o apartamento parecia uma grande caixa de areia. E, para onde se olhava, via-se gatos, gatos e mais gatos.
No chão, pacotes de biscoito, ração e outras guloseimas. O carpete, que um dia fora bege, estava manchado de sangue. Havia pegadas no chão denunciadas pelo mesmo. Assim como também havia remédios em cima da mesinha, do lado do telefone.
Ah, o telefone. Atirado no chão, sem a mínima importância. Sua base estava ensangüentada, mas o fone estava banhado de sangue. E as lascas na sua ponta indicavam que fora usado para algo além de uma conversa amigável.
A grande mancha de sangue apontava para uma trilha vermelha atrás do sofá verde plastificado. Do lado desse, havia uma poltrona combinando, onde estava sentado um siamês mal-encarado. Seu pêlo estava arrepiado e a ponta de sua língua estava para fora. Possuído.
Seguindo a trilha até o corredor, os investigadores foram levados até o banheiro. Filhotes felinos tomavam água da pia que escorria. A privada com forro cor-de-rosa e o tapete de mesma cor estavam cheirando a mijo. E todo o cômodo, a morte.
Dentro da banheira, um cadáver de uma senhora. Ou o quê restava dele. Junto com ela, o corpo de outros gatos. Era uma chacina. Em sua mão, uma pistola. Do lado da banheira, uma gaveta do armário que fica embaixo da pia estava aberta. Seu olho, o único que sobrou, guardava uma expressão de medo. Da boca, saiu uma pequena barata. Os gatos tornaram-se agressivos com a aproximação do médico legista.
– Hemorragia interna afirmou enquanto examinava causada por repetidas batidas na cabeça.
Do cadáver, restou somente algumas partes do rosto e dos membros.
– As mais cartilaginosas, disse o médico.
O tronco estava quase todo comido e podia-se notar evidentes mordidas no braço e nas pernas. Nelas, podiam-se ver os ossos. Músculos e tripas estavam à mostra, assim como alguns órgãos. Em certas partes, conseguia-se observar, através do corpo, a superfície insalubre da banheira. O resto do trabalho estava sendo feito por vermes e outros bichos enquanto as fotos estavam sendo tiradas. Nas paredes, sinais de luta, uma bala no azulejo e marcas de mão. O assassino estava usando luvas, é claro.
– Senhor, não há nada na cozinha. Nem gota de sangue nem comida. interrompeu um dos subalternos, falando com o detetive encarregado da investigação.
É, talvez não fosse uma tarde como as outras no fim das contas.
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