
Há poucos dias fomos testemunhas do “casamento real” ou “casamento do século”, como chamaram. A mídia inevitavelmente fez uma das maiores coberturas que já pudemos ver sobre todos os detalhes… Dos chapéus aos convidados, passando pelos bolos, grifes, carros e todo o formalismo que um evento deste porte reserva.
Não é de hoje que a família real atrai atenção, admiração, misticismo e até mesmo certa repulsa.
Também foi o tempo em que nosso país era assim. Pudemos aprender nas aulas de história, na leitura de obras (aproveito pra indicar “1808 – Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil” de Laurentino Gomes) a importância (ou não) da família real portuguesa que aqui se instalou.
Mas o assunto tem outro foco… Percebi que muitas pessoas, nas redes sociais, blogs e mesmo comentários sobre as notícias veiculadas, torceram nariz para o “evento do século”, afinal, num mundo cada vez mais carente, com a pobreza gritando aos berros, veneramos ainda uma cerimônia exageradamente milionária!
Alguns também optariam por interpretar como um grande atrativo turístico e econômico para o país que recebeu milhares de pessoas e curiosos que quiseram garantir seu espaço como testemunha histórica e ocular. Mas mesmo com esse posicionamento, manteríamos os pobres, as crianças abandonadas, as pessoas com fome… Ou, os mais descolados, diriam que o problema é deles, afinal, somos brasileiros… Filhos de um mundo a parte. Mas nada impede uma reflexão, ainda que superficial.
Há alguns dias terminei de ler um livro chamado “A linguagem das Emoções” de Paul Ekman (consultor da série americana “Lie to Me”), onde o autor aborda as diferentes formas de uma nação interpretar emoções. Segundo as pesquisas realizadas, cada cultura é capaz de trazer como um verdadeiro conhecimento cognitivo a expressão emocional diante de diversas situações e ocasiões.
A Inglaterra, historicamente como a grande potência marítima e econômica, sempre trouxe respeito e garantia de estabilidade ao mundo e ao seu povo. E ao longo da história, seu modelo de governo sempre agradou a maioria dos ingleses. O papel da família real, além de cultural e até mística (a Rainha é venerada tão ou mais verdadeiramente que um símbolo sagrado) baseia-se na influência em debates internos e efetivação de obras de cunho social – queREALmente são muito bem executadas. Considerável fatia da população inglesa é a favor da manutenção da família real e tem orgulho em saber que todo o evento secular foi por eles custeado. A emoção de um inglês traduz-se no orgulho, no poder e no carinho que trazem pela Família.
A crítica que se faz é ao trazermos todo este contexto rico e exuberante ao Brasil. O povo inglês, com dito e reiterado, se orgulha em manter a mordomia e fartura da família real, respeitando-a e venerando-a como uma divindade. Pagam orgulhosos os tributos reais, conscientes e sabedores do destino de cada pound¹ pago.
Por outro lado, nós, brasileiros, donos de uma riqueza natural invejável, temos apenas vergonha e impotência diante tamanha carga tributária que estamos sujeitos, sendo financiadores e grandes patrocinadores de centenas de “casamentos”, festas, acordos, mesadas parlamentares, e outros desvios de “realezas” que pasmem…ESCOLHEMOS! Enquanto passamos a madrugada acordados para ludibriar-nos com um belo casamento com direito a príncipes e princesas, centenas de “reis” desfrutam de muito mais… e às nossas custas.
Sem mesmo mencionar fatos (poderia dizer do preço absurdo dos combustíveis em um país autossuficiente em petróleo e líder mundial em biocombustíveis), que este casamento desperte não só o desejo por um príncipe/princesa encantado(a), mas também do sono profundo que as vezes nos acometemos diante tantos absurdos.
¹Pound é a unidade monetária inglês (Libras), atualmente uma das moedas mais valorizadas, superando o Dólar e Euro.
Fontes: Texto publicado pela revista ACONTECE VALE – Vale do Paraíba, SP