
Venho observando as movimentações pré-eleitorais em vários lugares, especialmente em nossa região e cidades próximas (ou não), com que de alguma forma mantenho vínculos. É inegável e incômoda a articulada sensibilidade que emana desses ares temporários. Problemas desde há muito conhecidos são endeusados a postos de bandeira como forma de enaltecer simples medidas solucionadoras, que poderiam/deveriam ter sido realizadas como resultado de uma OBRIGAÇÃO e não uma pseudo gentileza. Falsas/falhas ideologias surgem ou são reproduzidas na inócua tentativa de simplesmente possuí-las.
Não acredito nas “boas intenções instantâneas”, ou qualquer coisa que de uma forma ou outra traga o rótulo de instantaneidade. Pensem em um macarrão instantâneo, o famoso “miojo”: a facilidade e rapidez no seu preparo talvez se devam à ânsia imediatista de uma grande demanda daqueles que pretendem se alimentar dele de maneira rápida. É sem gosto, pálido, fica pronto em 3 minutos, não requer cuidado no preparo (a não ser perceber o ponto de “fervura” da água), imita com pouca propriedade o verdadeiro macarrão. Certamente alguém que aprecie uma boa massa (um legítimo italiano talvez), não traria a este “instantâneo” mesmo olhar de respeito pela arte e toda cultura (seja gastronômica ou simplesmente histórica) incutida numa autêntica receita. Não, não dedico esta coluna à culinária européia, mas é uma curta analogia à instantaneidade que nos assaltará no decorrer dos próximos meses.
Há poucos dias li um pequeno livro (pequeno no tamanho e gigantesco no conteúdo) chamado “Cultura e participação nos anos 60”, da jornalista Heloísa Buarque de Hollanda. Reúne as principais reportagens do período ditatorial trazendo comentários contemporâneo aos fatos sobre cada narrativa. Umas das coisas mais impressionantes que pude perceber foi a indignação das pessoas que não se permitiam satisfazer por posturas ímprobas, indignas e completamente desvinculadas do propósito de governar. Os miojos da época! Não à toa, no mesmo período, percebemos grandes repressões, órgãos cruelmente conhecidos pela crueldade e tortura, mortes misteriosas, pessoas desaparecidas, exílios e tantas outras medidas que conhecemos ou ouvimos dizer. As pessoas não se calavam diante dos absurdos que ocorriam. E devemos importante parcela de agradecimento a eles, que contribuíram para que hoje sejamos detentores de uma Constituição reverenciada no mundo (ainda que algumas injustiças sejam vinculadas a nossa Constituição, a discussão é muito mais técnica, as falhas são mais executivas que essencialmente legais).
Após ler tão histórica obra, lembrei de um artigo do ex Governador de São Paulo, Franco Montoro, ao escrever uma cartilha sobre a integração da América Latina, embasando o Mercosul, disse que a integração da América Latina (o MERCOSUL) não era apenas um desejo de grupos econômicos, ou mesmo uma opção, era sim algo imperativo, um caminho necessário a ser percorrido. Pertinente comentário! Montoro não estava correto apenas com relação à América Latina, que momentaneamente delineava, mas também com relação a tantos outros assunto, inclusive política. A integração política (seja de diversas compreensões, mas aqui intento a integração da sociedade nestes assuntos) não deve ser vista como uma intenção ou desejo, mas uma necessidade atual e cada vez mais recorrente.
Mas você, caro, leitor pode estar questionando a miscigenação de assuntos sem vínculos. Da culinária a um retrospecto político e econômico… Realmente, mas a ligação que mantêm é intensa!
Cada vez mais nos distanciamos da ideologia que revestia a juventude do período de 60 ou outros períodos tão participativos quanto este. Não que todos os jovens desta época tenham sido exemplos de participação e cidadania, pois sabemos que não. Generalizamos como forma de dar exemplo da época. Certamente aqueles jovens preferiam lutar por uma bela macarronada, mesmo que fosse preciso passar dias sem se alimentarem. O miojo era visto como causador de graves gastrites, azia, queimação… (sim, continue compreendendo analogicamente). Aqueles jovens também viviam a integração política, que ao tempo também era necessário, antes de qualquer coisa. Mais que isso, a integração foi determinante.
Quando encontro alguém que tenha sido efetivo neste período, e ao tocar no assunto de movimentos políticos da época, me diz “no meu tempo, as coisas eram diferentes”… Consigo compreender a indignação! Não falo em revoltas e revoluções, mas em posturas adequadas diante de discursos, posturas, ideologias “instantâneas”.
Vivemos em período democrático, onde os direitos e garantias têm se tornado uma grande vitrine no Brasil, dada sua extrema importância diante de tantos ocorridos mundiais. Mas mesmo assim, podemos facilmente identificar lugares e situações onde o poder é controlador, imposto com ameaças, medo e perseguição. E esses imperativos devem acabar. O miojo dos nossos tempos já têm causado males demais a todos nós.
Enquanto existirem famintos por miojo, eles (os miojos) estarão ali. Aptos a serem sim, instantâneos, imediatos, práticos… mas não esqueçam das dores que farão sentir no tardar da digestão. Assistencialismo é retrógado, é baixo, mesquinho, pobre… e deve ser eliminado do nosso conceito de política ou qualquer outro tipo de assunto, salvo exceções específicas (mas nenhuma delas compõe a política ou cargos gestores).
A melhor opção sempre será correr atrás da nossa massa legítima. Qual a receita? Digite no Google “Constituição Federal de 1988”. É possível encontrar todos os ingredientes para fazer a desejada massa. Mais que isso, orientações de como manejar os ingredientes, como preparar a mesa, a melhor maneira de comê-la e até mesmo de como lavar os pratos! Chega de miojo, procure um nutricionista e eles darão o mesmo conselho! Caso contrário, seremos sempre vítimas desse péssimo hábito alimentar. 3 minutos pode ser muito mais que 4 anos!