Crônica: Síndrome da Rapunzel

Quando era criança, a minha como muitas outras mães, contava e colocava historinhas de fábulas como por exemplo: Gata Borralheira, Branca de Neve, Rapunzel e tantas outras heroínas que no final sempre eram felizes por encontrar seus lindos, fortes e protetores príncipes encantados.
Eu quando fui ficando mocinha, adolescente, fui modificando o que toda menina quando passa a ter corpo de mulher, pois a maturidade chega rápido às meninas, fui reparando. Natural certos pudores e vaidades, o primeiro sutiã e tantos outros tabus a serem derrubados e conquistados, as descobertas não paravam de chegar, junto as dores mensais do sangrar que toda mulher tem de sofrer.
Mas nem só de sofrimento e descobertas incômodas passamos, no meu caso, dentro de minha casa, passei pela terna experiência de viver meu primeiro beijo. Nunca confidenciei isso a ninguém, era um segredo mais que sagrado.
Um homem, jovem, belo, inteligente, acolhedor, romântico e adorável, que sem nem perceberem me acolhia em seu colo para me contar histórias um pouco mais interessantes e maduras (eram histórias de humanidade, de experiências de vida, de autores e benfeitores da humanidade, não eram essas historinhas que nos contam em chats e msns da vida quando ganham um pouco de intimidade, nem de longe, o papo era profundo), e com o cafune, olhar, voz terna na sacada, com certeza, não haveria de deixar de pintar o beijo.
Muitos foram os elogios e as formas lúdicas de me dizer que eu era uma menina num corpo de mulher e que segundo ele, um olhar que não se sabia o que queria, se era comer cada palavra que era dita por uma sedenta ansiedade por saber ou se era um olhar de mulher querendo alimentar instintos de quem queria descobrir o que era o primeiro toque e o beijo.
Nunca gostei de textos que abordem de forma piegas esse momento e esses fatos, mas hoje deu vontade de tratar do assunto, pois lembrei da frase que tanto ri, que ao deitar-se ao meu lado, meus pais dormindo e ele no meu travesseiro e respeitosamente ao meu lado veio suavemente falando: “Um dia, eu venho aqui com meu cavalo branco, preferencialmente quando você já tiver 18, claro, e eu grito seu nome, jogo uma flor e você joga as tranças pra eu vir te pegar e salvar das garras de quem te sufoca?”
Eu ria muito, e ao mesmo tempo adorava aquele tipo de analogia.
Ele conhecia meus pais, sabia dos conflitos e problemas que sempre passei, e até hoje são complexos, porém ele sabia que se alguém não viesse me “salvar” ou então me libertasse desse seqüestro de mim mesma, muito dificilmente eu poderia me libertar.
Outro grande exemplo, foi do pai de uma amiga minha, que curiosamente virei meio mundo pra revê-la e falar com ela, e ontem apareceu no meu Orkut me lembrando das palavras de seu pai: “Cris, você é uma menina linda, ótima, inteligente, promissora, mas enquanto tiver determinadas dependências e amarras, não será feliz, não crescerá e não prosperará.” (com devidas adaptações de suas palavras, pois lembro-me de cada uma delas ao me levar de volta pra casa depois de estudar o dia todo com a minha grande amiga e ele me ser grato pela atenção, como se precisasse, porque a amo até hoje como uma verdadeira irmã).
Outro momento foi quando fui submetida a uma mamoplastia redutora – cirurgia onde tirei muito de meu busto – e meu cirurgião que gostava muito de conversar comigo, e o tinha como uma pessoa que representava quase a um pai, Dr. Oswaldo Pigossi, que ele me falou o seguinte: “Rezarei todos os dias para que ele te dê um bom marido, pois você merece, porque quem a criou…” Não preciso falar mais nada, não é? (vale dizer que minha mãe sempre foi uma heroína em me defender e estar ao meu lado pra tudo me dar e ajudar nos meus estudos, não julgo a quem me faz tais perseguissões e seqüestro de mim mesma, mas hoje entendendo, sei que preciso me libertar…)
Aliás, saudade do Oswaldo, um grande homem, que muitas vezes era diminuído por ser um homem lindo, mas ele era pra mim muito mais do que um bonito cirurgião, pois era família, nada fútil e protetor, eu realmente me entreguei e me entregaria totalmente a ele, no sentido de confiar meu corpo a esse homem. Ele fez um trabalho exímio mesmo com todas as dificuldades e lutas dentro do processo todo.
Onde quero chegar com essas lembranças, pessoas importantes na minha vida e para que expôr dessa maneira?
Pelo seguinte fato: não existem salvadores e nem príncipes, o que existe de fato é o seqüestrador e a pessoa que foi seqüestrada, já trata Pe Fábio de Melo com propriedade em seu livro que estou degustando da leitura com muita calma para não acabar caindo num abismo de mim mesma, pois há muitas passagens com as quais me identifico, no título “Quem me roubou de mim?”, Ed. Canção Nova.
Somos seqüestrados muitas vezes por não termos nenhuma habilidade de nos resguardar e nem nos proteger das garras do seqüestrador e muitas vezes são armadilhas que nós por curiosidade ou por sermos seduzidos colocamos o pé na arapuca e fomos pegos porque quisemos.
Isso mesmo: por livre e espontânea vontade.
O que fazer?
Essa é a questão, pois uma vez seqüestrado, dependendo do grau de dependência dessa relação ou das raízes por ela já criadas o trabalho de reconstituíção de forças para o resgate de nossa própria identidade e subjetividade é árduo, e cheio de pedrinhas, tombamos, recaímos e só nós mesmos poderemos correr pra ele, ou nos deixarmos para a vida toda estarmos submetidos a esse verdadeiro círculo ou ciclo, como queiram, vicioso.
E o que fazer?
Vários caminhos podem ser percorridos, mas só o seqüestrado quando consciente dessa necessidade poderá encontrar o melhor e nem sempre mais curto para seguir, com eficácia.
Como conseguir?
Questionando-se, não se permitindo teleguiar, não se permitir ser transgredido, não se deixar ser agredido.
O que eu espero?
Que além de mim, muitos mais consigam achar esse caminho tão almejado por todos nós os seqüestrados por uma espécie de algoz de nossas energias e vidas, para poder o horizonte vislumbrar e um ar puro profundamente respirar, livres, felizes, bonitos e NÓS MESMOS.

Deixe uma resposta

LEIA TAMBÉM

(divulgação)
PARA LER

13 livros que todos deveriam ler ao longo da vida

A lista foi compilada pela revista Galileu: 1 O Homem que Calculava, Malba Tahan “Indico para os não amantes de matemática, para terem outra visão da ciência dos números.” – Leandro Millis, pelo Twitter. 2 Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago “O livro nos leva à reflexão de que, interiormente, somos seres que não conhecemo.” – Miguel, pelo […]

LEIA +
PARA LER

Femme Terrible: o pecado de ser mulher em 20 frases

Cruéis, megeras e terríveis. Esterótipos sociais femininos em frases de grandes escritores. Instáveis, complicadas, histéricas e não-confiáveis. Os estereótipos femininos vão além das virtudes. Desde que Eva quebrou a perfeição da vida no Éden pela desobediência e curiosidade irresponsáveis, a mulher, mesmo em países com muitos avanços na questão da igualdade de direitos entre os […]

LEIA +
(divulgação)
PARA LER

Aplicativo mapeia lugares ligados à obra de Machado de Assis

Um aplicativo pretende angariar novos leitores de Machado de Assis (1839-1908) reunindo os endereços citados em seus livros e os locais associados ao cotidiano do escritor. Batizado de “Rio de Machado”, o programa gratuita apresenta em um mapa as informações que contextualizam cada local em relação à vida e à obra de Machado. Esta lá, […]

LEIA +