
Sentada no meio de infinitos corpos, meus pensamentos flutuam ao encarar a imagem que se movimenta. Balbucio algumas palavras para o espectro ao meu lado. Estou mergulhada no mar dos meus descontentamentos. E, de baixo dágua, restam somente os sons abafados do mundo exterior.
Observo os rostos: uns dormem, outros conversam ativamente, alguns se aprisionam na realidade de seus livros e MP3 players. Em geral, são expressões gastas. Rostos marcados que pousam enquanto o lado de fora se move na velocidade dos meus pensamentos. Mas há aqueles que, como eu, encaram a linha de ferro e sua paisagem caleidoscópica. É como encarar um espelho, em podemos ver, nos reflexos das linhas dos rostos, as marcas dos caminhos já percorridos. Seja a olheira roxeada, as covas ao redor dos lábios, as rugas na ponta dos olhos.
Então, no meio do quadro de rostos insípidos e sonolentos, aparecem as lágrimas. Lágrimas que acariciam a pele morena de olhos avermelhadas. Vermelho que esconde um verde tímido, que tão sublimemente decora os cabelos desgrenhados e crespos. O corpo altivo segura o peso da bolsa pesada, que quase tomba de seu ombro, e, nas costas, o peso de seu mundo. Encostada na parede encardida, deixando-se balançar pelo chocalhar do vagão, mas nunca cair dos saltos altos, procura no lado de fora consolo e paciência. A cada minuto, arrisca uma troca de olhares com o celular ou então tenta uma ligação. E, cada vez que falha, derrama mais um rio discreto de lágrimas.
Disfarço olhando ao meu redor. Mas nada me parece mais hipnotizador. Sua beleza personifica a tristeza e suas linhas poéticas. A gravidade do seu olhar me liberta do cheiro de suor e de chuva. Olho para o teto tentando inutilmente desviar minha atenção. Só que não consigo. Sofro com ela. Gostaria de poder chorar ali, deliciando-me da indiferença alheia para extravasar sem ferir o orgulho. Ainda mergulhada nas águas de meus próprios tormentos, suspiro a falta de respostas. Começo a levantar para sair.
“Next stop, Del Castilho station”. Então, numa singela troca de olhares, reconhecemos nossas respectivas existências. Sorrio, mas ela desvia o olhar.
Sou cuspida para fora do vagão. Passo a caminhar ao lado do espectro, com quem troco murmúrios monossilábicos. A paisagem encontra-se estática e sólida. Os corpos apressadas e os passos ensurdecedores se movem por entre o chão sujo decorado com suas linhas amarelo ovo. Os pensamentos tornam-se menos constantes e cada vez mais abstratos. Perco-me dentro das palavras e passo a apagar aquela imagem. O celular treme no meu bolso. Alguma música está tocando, reconheço-a, mas não sei de onde.
Continuo caminhando.