
“O ABC deve ser apresentado como um enigma a ser desvendado. Um jogo no qual as peças se encaixam formando a compreensão do todo. E a ilustração é um recurso que deve ser muito explorado”. A análise é da escritora e ilustradora Angela Lago, que discutiu a importância da construção da imagem na literatura infantil durante seminário sobre o tema.
Para ela, a imagem encaminha a criança para a leitura do texto e a narrativa passa a ser apropriada a partir da utilização de alguns elementos chave, que partem muitas vezes da própria forma da criança ver o mundo. “Os recursos que as crianças utilizam em seus desenhos são fundamentais para que o escritor e o ilustrador se comuniquem com elas”, disse.
Lago pontuou que a criança precisa encontrar nas imagens a expressividade que a ajude a compreender o texto. “O ilustrador precisa se valer de artimanhas para ir além do considerado ‘normal’. Ele precisa entender que existem mil possibilidades para se contar uma história”, contou, incluindo nessas técnicas a possibilidade de se rebater (virar) a perspectiva, fazer desenhos em “raios-X”, modificar proporções, entre outras. “A ilustração não é necessariamente fotográfica, ela é realista de acordo com aquilo que a história propõe”, explicou.
Para a ilustradora e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Graça Lima, é preciso ponderar o problema do culto à imagem. “A criança convive o tempo todo com estímulos imagéticos muito voltados ao consumo, à propaganda. Fora que devemos lembrar que as imagens são a Xuxa, Rebeldes, enfim. É preciso entender o que essas crianças estão vendo para entender com o que se relacionam”, pontuou.
Para ela não é possível fazer leitores por imposição. Ao invés disso, é preciso realizar um movimento de apropriação do texto, tanto verbal quanto imagético. “Não dá para ensinar sem motivar a paixão por algo. É preciso se apaixonar pela arte”, pontuou. A professora retomou a idéia de uma alfabetização visual que seja capaz de dar conta de novas oportunidades de imagem, rompendo com os paradigmas e ícones atuais. “Para isso precisamos cada vez mais pensar na nossa cultura local e quais símbolos traduzem a infância”, lembrando da possibilidade de fugir de figuras como os Menudos e apresentadoras de televisão.
Segundo Lima, há ainda a importância de ver a ilustração como algo além do bonitinho. “Há um grande trabalho de pesquisa por trás de cada ilustração. É preciso trazer novas influências e pensar constantemente a imagem, pois só assim estaremos dando uma formação pedagógica do olhar”, ponderou.
Lago completou a questão ao insistir que o prazer em ler da criança está justamente na constatação da sua autonomia. “Ela fica orgulhosa quando vai virando as páginas do livro e percebendo que está entendendo a leitura e vai fazendo as relações entre realidade e fantasia. Ela tem consciência da importância dessas relações”, observou.
Para Lago, a literatura possibilita esse encontro, trazendo a fantasia como parte integrante do cotidiano. “É a partir daí que a criança faz do livro uma obra de arte ou não. Está nela a beleza de ler”, ponderou.
Lago disse que se fosse professora começaria todas as aulas com um conto de fadas. “Eles são a entrada mais linda para a literatura. Prazer rima com saber e quer algo mais divertido que saber sobre si mesmo?”, se perguntou, incentivando que as professoras ouçam mais o alunado e que, entre outras inúmeras possibilidades, o trabalho com os contos de fadas e fábulas abre portas e janelas para a apropriação da alteridade. “As histórias, além de muito ricas, permitem inúmeras discussões interessantes”, disse.
Para a ilustradora o único problema está no fato de com o passar dos anos as ilustrações perderem espaço nos livros. “A ilustração também pode ser e deve ser apreciada por um adulto”, reclamou, concluindo que os desenhos podem ser mais que acessórios do texto, assumindo em si uma linguagem ou uma história paralela.
(Envolverde/Aprendiz)