Independentes desde cedo

Como criar filhos independentes desde pequenininhos

Não vale manter os filhos na barra da saia e, mais tarde, reclamar que eles não sabem cuidar da própria vida. A independência é construída passo a passo e o cotidiano está cheio de oportunidades para incentivá-la.

Seria ótimo se a autonomia dos filhos acontecesse naturalmente com o passar do tempo. Mas, no fundo, a gente sabe que depende de educação e de um exercício de paciência e coragem dos pais. “Autonomia tem a ver com liberdade, e liberdade é competência”, afirma a psicoterapeuta Lidia Aratangy, autora de vários livros, sendo o mais recente Pais Que Educam Filhos Que Educam Pais (Celebris). Em cada fase, a criança desenvolve uma habilidade, novos riscos se apresentam e, com eles, novos treinos – até que ela domine várias competências”, explica. Cabe à família estimular o processo, que ocorre por meio de acertos e erros. O mesmo raciocínio vale para o momento de tirar a fralda, andar, comer, guardar os brinquedos, aprender a ler, fazer a lição, tomar banho sozinho e por aí vai, até a hora de alçar vôos maiores.

O valor das conquistas
Cada etapa vencida alimenta a autoconfiança. Leonardo, por exemplo, aos 5 anos se acha o máximo porque toma banho e escova os dentes sozinho. A mãe, a artista plástica Gabriela Galizia, comemora suas façanhas sem nunca abandonar a supervisão. “Para se trocar, Léo sempre embroma. Tem preguiça e fica pelado pulando pelo quarto”, revela. Ela insiste porque sabe que ele pode dar conta do recado – a partir dos 2 anos os pequenos já começam a tentar se vestir. Aos 3, alguns, como a irmã de Léo, Catarina, nem precisam mais de ajuda.
O momento de dormir é outro desafio. Como à noite os temores afloram, a maioria reclama a companhia dos pais no quarto ou logo pula para a cama deles. Gabriela combate manhas e medos com um ritual à base de leite quente e histórias. Lidia, a psicoterapeuta, afirma que o segredo é esse mesmo – estabelecer rotinas aconchegantes e combinar antes quantas histórias serão contadas. Para os menorzinhos, ela não condena a chupeta desde que seja usada só à noite. Todos os esforços para que a criança vá se acostumando a dormir sozinha valem a pena, pois, dessa forma, na adolescência terá condições de regular o repouso. “Aí o foco deve ser o cumprimento dos compromissos”, define Lidia. “Não interessa se o garoto passou a noite inteira ouvindo música. O importante é que ele não deixe de lado as responsabilidades da manhã seguinte, já que tem idade para arcar com as conseqüências de suas escolhas.” Se não consegue, tudo indica que sua educação deixou a desejar e então vai ser necessário reparar o prejuízo.

“A autonomia é um processo, uma construção gradual, da qual muitos pais não têm consciência”, diz a especialista. Às vezes o alarme só dispara na puberdade. “Nesse caso, ainda que a mãe reconheça a dependência do filho, com freqüência não percebe que o nó está relacionado ao fato de ela ter feito as lições por ele. Ou ao fato de protegê-lo demais: se ele não queria acordar cedo, ela o vestia e só o acordava na porta da escola para que dormisse mais um pouquinho…” Tais atitudes impedem o crescimento e, sorrateiramente, enviam a mensagem de que ele pode fazer o que bem entender. “É assim que se criam crianças chatas, birrentas e dependentes”, alerta Lidia. A educação voltada para a autonomia não significa liberar geral. Ao contrário, a noção de limite é indispensável e, segundo a psicoterapeuta, não é transmitida apenas oralmente, incluindo também intricados códigos de afeto. “Se a criança associar que amar é ouvir sim o tempo todo, está perdida. Reproduzirá esse padrão no futuro, reagindo mal a qualquer tipo de negativa, e não vai adquirir jogo de cintura para negociações.” Sua capacidade de tomar decisões acertadas será afetada e terá dificuldade para fazer uma dieta ou recusar drogas, por exemplo, já que nunca experimentou frustrações na infância nem aceitou restrições aos prazeres imediatos.

Liberdade se aprende
As irmãs Marcella, 15 anos, e Beatriz, 13, começaram a freqüentar acampamentos infantis quando estavam respectivamente com 6 e 4 anos. “A Marcella era mais tímida e me preocupava, mas no fim ela ficou eufórica com o troféu de melhor campista do grupo!”, conta a mãe, a produtora de eventos Maria Regina Grilli. Propiciar situações em que as crianças terão chance de se virar sem o auxílio familiar é uma ótima pedida – mas dá trabalho.
Antes da aventura, Regina enfrentou uma verdadeira maratona a fim de selecionar uma empresa de confiança. Tudo acertado, as garotas fizeram as malas com a mãe, receberam algumas instruções, como guardar a roupa suja em um saco separado, e partiram. Voltaram felizes e amadurecidas. Há dois anos, novo treinamento, dessa vez para ir à escola de ônibus. “Quem mora em São Paulo tem medo, mas não quero que isso atrapalhe o desenvolvimento delas. Comemorei cada conquista e me sinto pronta para as próximas.

Meu marido fica enciumado desde já, mas eu estou curiosa para conhecer os futuros namorados. Também quero que elas participem de intercâmbios, estudando fora do país durante uma temporada. Confio que estarão preparadas. Desde pequenas, precisam saber que o mundo não é só pai e mãe e que vale a pena conhecê-lo”, afirma Regina. Ela mesma não teve essa formação. Única mulher entre dois irmãos, construiu a própria autonomia com luta e amargou sérios embates com a mãe. “Tive que vencer a repressão familiar. Bati a cabeça, mas aprendi muito. Hoje posso apontar algumas trilhas para minhas filhas.” Ponto para Regina, porque segundo Lidia, uma criança só admite palpites na sua vida quando o interlocutor demonstra orgulho das próprias escolhas. Só não faz sentido posar de infalível. É mais sincero – e pedagógico – revelar que, às vezes, foi obrigada a corrigir as rotas na vida familiar ou profissional. Assim, ficará mais fácil para todos lidar com as falhas do percurso. Sim, os vôos desastrados dos filhos estão no programa. Marcella, lá pelos 7 anos, foi para a praia com a família de uma amiga e voltou roxa – passaram o dia todo sob o sol e ninguém se lembrou de reaplicar o protetor. Beatriz dormiu na casa de uma colega de escola – os adultos foram deitar e a garotada extrapolou vendo TV até as 4 horas da manhã. Os riscos de tragédia não são tão altos como nos nossos pesadelos, no entanto nunca deixarão de existir. Por isso, quanto mais próximo o acompanhamento dos pais, melhor: é preciso se informar e conversar com os adultos responsáveis pelos filhos no período em que estão longe de casa.

Não somos donas da verdade
“Ao fazer o acompanhamento, porém, fique atenta para não pensar que você é a única capaz de cuidar direito deles”, diz Lidia. Eventuais erros – de pais ou filhos – devem ser incorporados à dinâmica e corrigidos. Sem dramas nem culpas. “Só é muito culpado quem se acha poderoso e se dá exagerada importância. Pais que, por sua vez, também aprenderam noções de limite sabem que fazem o que podem, percebem logo que não dá para controlar tudo”, conclui. Para Lidia, a ilusão de que o filho é nosso se desfaz a cada dia e, na adolescência, acaba de vez. Portanto, melhor educá-los para a vida. A vida deles.

Crédito: revista Cláudia

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(reprodução web)
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