Mulheres com filhos X mulheres sem filhos

De um lado, mães batalhando para conciliar trabalho e família. Do outro, profissionais sem filhos e com todo o tempo disponível para focar na carreira. Nossa reportagem foi investigar quem leva vantagem na hora de ouvir o cobiçado “Você está contratada” e encontrou ressentimentos e acusações nessa que promete ser a grande briga do futuro. Ou será que já começou?

A gerente de marketing Cíntia*, 30 anos, de São Paulo, solteira e sem filhos, comanda um grupo de seis mulheres. Ela está aflita para fechar um projeto que será implementado na semana seguinte. Uma de suas subordinadas, Carolina*, não poderá ficar até mais tarde, pois avisou que precisa levar o filho ao pediatra. Cíntia tem consciência da dedicação da funcionária, mas não deixa de pensar: Puxa, as coisas aqui estão pegando fogo e ela sai bem agora? Não poderia pedir a alguém para levar o bebê?” Em outra companhia, Alessandra*, gerente de logística, grávida de cinco meses, fica sabendo que a empresa oferecerá um curso de uma semana num hotel fora de São Paulo e enxerga aí uma oportunidade de aprimorar seus conhecimentos. Quando seu chefe se dirige à equipe para decidir de quem é a vaga, uma colega já dispara: “Não manda a Alê, porque ela está grávida”. Furiosa e frustrada, ela chega em casa e cai em prantos. “Essa não foi a primeira vez em que fui tirada de algum projeto ou de um curso por causa da minha gravidez. Não sei se querem me proteger ou pegar o meu lugar. Fico superinsegura. O que acontecerá então quando eu sair de licença?”

Um embate, na maioria das vezes velado, está em curso entre profissionais com e sem filhos. De um lado do ringue, estão mães exaustas, se desdobrando para dar conta da família e do trabalho, cheias de culpa. Do outro, mulheres sem filhos, disponíveis para focar todo o tempo e a energia na carreira e alheias aos dilemas das mães que trabalham fora. Será que a ascensão profissional nos próximos tempos será determinada pelo fato de a mulher ter ou não ter filhos? A questão é polêmica e divide quem trabalha com recrutamento. “Vai depender da posição da empresa em relação a essas duas profissionais e da estrutura que a própria mãe vai montar para manter o ritmo de trabalho”, afirma Patrícia Epperlein, sócia e diretora-geral da Mariaca/InterSearch, empresa de recrutamento de executivos.

A gerente de controladoria Mariana*, 41 anos, acredita nessa competição. Quando não tinha filhos, ela cansou de ouvir críticas dos colegas ao comportamento das mães em relação ao trabalho. Hoje, uma vez por mês, ela sai meia hora mais cedo para levar a filha, de 8 meses, ao médico. “Pelas conversas paralelas, sei que sou criticada pelos meus pares, mas acho injusto. Eu não fumo e produzo o dia inteiro, enquanto meus colegas fumantes acabam matando uma hora por dia só nessas escapadas. Afinal, estou saindo por um motivo sério”, desabafa. A relações-públicas Vanessa*, 28 anos, solteira, sem filhos, reclama dos privilégios que as casadas desfrutam, como tirar férias em janeiro e julho junto com os pequenos em idade escolar. Cheguei a perder dinheiro com passagem por que priorizaram uma colega com filhos. Eu também tenho meus motivos. Por que não posso folgar nesses meses?” Em compensação, acha que leva vantagem numa possível promoção. “Percebi a irritação da chefia em relação a funcionários – na maioria mães – que batem o ponto no horário certo.” Será? “Não concordo. As grandes empresas levam em consideração a competência em primeiro lugar e não fazem esse tipo de discriminação. Minha consultoria, por exemplo, nunca deixou de recrutar uma mulher por esse motivo”, afirma Gutemberg de Macedo, presidente da Gutemberg Consultores, empresa especializada em recolocação e aconselhamento de carreira. José Augusto Minarelli, presidente da consultoria de carreira Lens & Minarelli, admite que, numa disputa entre duas profissionais com a mesma competência, é possível que quem não tem filhos saia na dianteira.”Eles podem ser uma restrição. Se a concorrente com a mesma competência não tem um impedimento como esse, ela é quem leva a promoção.” Na contratação de executivas, também há uma predileção pelas sem filhos. Segundo a consultora Zenilda Castilho, da RH Internacional, empresa da área de recursos humanos, elas levam vantagem. “Para alguns cargos, meus clientes pedem para não selecionar profissionais com crianças menores de 7 anos. A idade dos filhos é uma barreira e um ponto a ser levado em consideração. A idéia é que a mulher, para cumprir todas as demandas domésticas, não conseguirá dispor de todo o tempo que a companhia lhe exigirá.”

Fernanda*, 38 anos, executiva da área de telefonia, sentiu isso na pele recentemente, quando foi sondada pela chefia para uma possível promoção. Enquanto seus filhos eram muito pequenos, tinha receio de ser preterida por causa da suposta falta de disponibilidade das mães. “Há pouco, meu chefe me perguntou sutilmente se eu tinha intenção de ficar grávida outra vez. Disse que não e, naquele momento, senti que já não corria mais o risco de ser jogada para escanteio. Afinal, agora as crianças estão com 5 e 8 anos”, conta. Para a secretária Andréa Marquardt, 36 anos, o fato de ser mãe só trouxe vantagens. Ela acredita que conquistou o emprego em uma multinacional ao revelar que estava se separando e tinha um filho de 2 anos para sustentar. “Na época, o chefe sentiu meu real comprometimento com a empresa quando percebeu que o meu filho dependeria financeiramente apenas de mim.” A gerente titular do banco Itaú Personnalité, Léa Soler, 40 anos, também acha que as casadas se empenham mais. “Lidero seis gerentes, duas com filhos pequenos, e as mães são as melhores da equipe. Elas têm maturidade, foco e sempre superam os resultados.” Léa admite que há competição, mas a culpa, afirma, é da imaturidade das sem filhos. “Eu mesma, antes de ter os meus, olhava torto para as mães que colocavam a carreira em segundo plano”, confessa. Para ela, cabe à empresa evitar essa rixa avaliando seus subordinados pela competência. No caso de férias, por exemplo, dou prioridade para quem supera as metas e apresenta os melhores resultados durante o ano. Ou seja, é por mérito”, explica.

A maioria dos especialistas ouvidos nesta reportagem concorda que a rixa se resolveria facilmente se as empresas oferecessem às mulheres mais condições de conciliar carreira e família. Em vários países, o apoio às mães começa no governo, que propõe leis claras e concede benefícios fiscais a companhias que dão suporte aos pais. Na Inglaterra, mães com filhos menores de 6 anos têm o direito de exigir redução da jornada ou de sair mais cedo até duas vezes na semana. Na Alemanha, o empenho do governo é maior ainda por uma questão econômica. Caso a taxa de natalidade continue a despencar, não haverá mão-de-obra qualificada para manter a produção e a prestação de serviços no país. Por isso, neste ano o governo passou a conceder uma ajuda financeira correspondente a 67% do salário líquido dos pais, desde que os dois se licenciem para cuidar do filho – a mulher por dez meses e o homem por dois.

O dilema é antigo e está longe de ser resolvido no Brasil, segundo Iaci Rios, consultora da DBM, empresa especializada em recursos humanos. Algumas companhias oferecem creches e horário mais flexível, o que facilita e muito a vida da mulher com filhos. Mas ainda são poucas”, afirma. A farmacêutica Merck Sharp & Dohme é uma delas. A coordenadora de relacionamento com clientes, Lilian Sato, 32 anos, tem a opção de entrar entre 7 e 9 horas da manhã e sair às 15 horas às sextas-feiras. “Assim, posso levar meu filho, de 2 anos, à escolinha e pegá-lo no final do dia. É uma vantagem, pois a maioria das minhas amigas não consegue”, garante. Enquanto isso, as mulheres vão fazendo o que podem para dar conta dos múltiplos papéis sem muita perspectiva. Na opinião de Patrícia Epperlein, um futuro melhor está por vir. “As empresas ainda enxergam as mães de forma diferente, mas isso está mudando, embora haja um caminho longo pela frente. Tenho certeza de que em breve as companhias serão obrigadas a rever a questão. Em muitas áreas, as mulheres estão dominando o mercado e já são maioria nas escolas em busca de aperfeiçoamento. Nenhuma empresa pode se dar ao luxo de desperdiçar tanta mão-de-obra especializada”, finaliza ela.

Postura impecável

Se você tem filhos e não quer ser vista de maneira diferente pela empresa, siga as orientações dos consultores:

Deixe claro na entrevista que você mantém uma estrutura organizada em casa. Tenha sempre na manga o telefone de uma segunda babá em caso de imprevisto.
Evite ao máximo sair no horário de trabalho para levar o filho ao pediatra. Caso não haja alternativa, converse com seu chefe para achar uma boa solução para as duas partes. Uma opção é dividir a tarefa com o marido.
Planeje sua saída na licença-maternidade e mantenha contato na sua ausência.
Seja discreta ao ligar para casa para saber das crianças. Esse telefonema é visto com naturalidade pela maioria dos chefes, mas não abuse e seja breve.
Não banque a supermãe e dedique um pouco de tempo a si mesma. Afinal, o equilíbrio reflete num bom desempenho no trabalho.

* Nomes trocados para preservar a identidade das entrevistadas

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