
Brasília, 21/08/2007 A promessa do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva de “investir quase R$ 1 bilhão” até 2010 na prevenção e no combate da violência de gênero animou a segunda Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, encerrada ontem na capital, com as presenças de quase três mil participantes. Esse valor multiplica por quase 40 os gastos do governo efetivamente aplicados nessa luta nos últimos anos. O movimento de mulheres reclama maiores orçamentos para programas sociais, mas a pressão atual se concentra sobretudo em conseguir que o investimento anunciado seja executado. Nos últimos anos, não foi liberada nem mesmo a metade das quantias destinadas a combater a violência contra a mulher no País.
Foi importante que o Presidente “tenha se sentido no dever de vir à conferência assumir tal compromisso”, embora seja necessário pressionar muito para que a promessa se torne realidade, disse à IPS Guacira de Oliveira, uma das diretoras do não-governamental Centro Feminista de Estudos e Assessoria, com sede na capital federal e que acompanha políticas e processos legislativos sobre a condição da mulher. A promessa de Lula busca colocar em prática a lei Maria da Penha, aprovada no ano passado e que tipifica os crimes contra as mulheres estabelecendo suas penas. A lei leva o nome de uma mulher que lutou 19 anos para que a justiça condenasse seu ex-marido que tentou assassiná-la duas vezes.
Uma reforma política que permita às mulheres ampliar sua presença nas instâncias de poder e a reafirmação do direito ao aborto, cuja legalização foi reclamada na primeira conferência nacional, em 2004, foram os temas que mais agitaram os debates e as manifestações durante o encontro, aberto sexta-feira pelo Presidente Lula. As participantes exigiram “paridade nos espaços do poder” e mecanismos para alcançá-la. Uma lei de cotas, aprovada em 1997 que exige 30% de mulheres nas listas de candidatos de cada partido à Câmara Federal teve poucos resultados. O Brasil ocupa o 107º lugar em um estudo da União Interparlamentar sobre presença feminina nos poderes legislativos de 189 países. Com 8,8% de cadeiras ocupadas por mulheres, o Brasil está muito longe da Argentina, com 35%, e da Costa Rica, com 38,6%.
Os partidos brasileiros não cumprem a lei de cotas ou a cumprem apenas formalmente, sem destinar recursos nem apoiar as candidatas. Além disso, o sistema brasileiro elege os candidatos mais votados individualmente e não por listas partidárias, como na Argentina. Um avanço “valioso” desta conferência (em cuja preparação participaram 195 mil mulheres em encontros municipais e estaduais, entre março e julho) foi incluir a integração regional como parte das preocupações femininas, destacou Lílian Celiberti, feminista uruguaia e secretária da Reunião Especializada de Mulheres o Mercado Comum do Sul (Mercosul). É um reforço importante na luta para avançar em políticas sociais no bloco integrado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, em um momento de “disputa pelo tipo de integração latino-americana”, disse Celiberti à IPS.
Da conferência participaram como convidadas ministras de vários países latino-americanos e de Angola, além de parlamentares. Uma das convidas foi Epsy Campbell, presidente do centro-esquerdista Partido Ação Cidadão, da Costa Rica, ex-deputada, candidata à vice-presidência de seu país nas últimas eleições e ex-coordenadora da Rede de Mulheres afro-latino-americanas e afro-caribenhas. “Feminista negra em sociedade branca”, como se autodefine, a economista de 42 anos se considera “uma exceção” pelas condições sociais que desfruta em um país onde os negros são excluídos. Campbell é ativista pelos direitos humanos, “porque não quero continuar sendo uma exceção”, que explica por ter “liderado as listas de opinião positiva” por sua ação como deputada, disse à IPS. Sua chapa perdeu as eleições por 1%.
Um grupo de 17 mulheres em cadeiras de rodas representou outra novidade nesta segunda conferência das mulheres, um ambiente participativo para formular políticas que o governo Lula também promove em outros setores, como meio ambiente, juventude, direitos humanos e economia solidária. Essa minoria entre as 2.587 delegadas eleitas nos 27 Estados brasileiros reclama uma representação no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e também que nas resoluções sobre discriminação se agregue “pessoas com deficiência” à lista de vítimas sempre limitadas a negros, indígenas e minorias sexuais.
“Para nós o importante é que esta conferência ofereceu a oportunidade de articular um movimento nacional de mulheres com deficiência”, disse à IPS Deline Cutrim de Lima, coordenadora do Fórum de Pessoas com Deficiência e Patologias do Maranhão. “O direito de ser mulher nos é negado”, queixou-se, numa referência tanto à sexualidade quanto a ausência de serviços públicos de saúde, educação e transporte que atendam às necessidades especificas dessas mulheres. Deline, de 38 anos, recebeu aos 15 o diagnóstico de fibrodisplasia osificante progressiva, que vai tirando-lhe a mobilidade.
Sua colega Maria do Socorro Gomes Silva, de 36 anos, preside a Associação de Deficientes de Açailândia, no interior do Maranhão. Suas pernas se atrofiaram devido a uma injeção com excesso de antibióticos que afetou um nervo quando tinha apenas dois anos e meio. Formada em filosofia, Maria do Socorro considera que sofreu a maior discriminação ao ser demitida da prefeitura de Açailândia, onde era telefonista e exerceu outras atividades durante 12 anos. A deficiência a impediu de adotar duas meninas, que hoje têm 8 e 9 anos. em sua opinião, o Brasil tem muitas leis para as pessoas com deficiências, mas “fazer com que sejam cumpridas é difícil”, e ainda mais complexo no nordeste, região pobre onde a população é menos informada sobre seus direitos do que no sul do País.
Uma ativista com mais experiência é Luiza Câmara, bibliotecária de 62 anos e paraplégica que participou de numerosas reuniões internacionais e lançou dois livros nesta conferência. Ela é mãe de duas filhas que já são “cidadãs do mundo”, de 38 e 30 anos. Luiza aderiu ao movimento feminista há mais de duas décadas, após viver a violência familiar. Seu pai, que tinha duas mulheres, matou a que não era sua mãe “ao descobrir que ela tinha outro companheiro”. (IPS/Envolverde)