Parasitas

Acorda cedo demais, enrola na cama até se atrasar. Levanta, lentamente, arrastando-se pela casa, tirando o gosto do sono da boca, acordando a cara com água gelada. Arrasta-se de novo da portaria até o ônibus e do ponto até o trabalho, arrastando-se um pouco mais por lá, a manhã inteira.
Viver é estar inteiro em cada momento, pronto para dar o bote, à espreita. Ele estava morto.
Não há nada pior que uma semi-vida, algo além – ou aquém – da subvida, sugando momentos, como um parasita.
Depois dava as costas, indiferente, impaciente, quase mal humorado:
“- Tá tudo bem?
– Tá sim, tranquilo…”
Tranquilo era tudo o que ele não era, tudo o que não havia na sua vida naqueles dias era tranquilidade, mas as pessoas têm essa mania escrota de fazer uma pergunta tão genérica e complexa como se fosse a mais simples do mundo.
Ultrapassado mais um obstáculo, vai até o refeitório, toma um gole do café frio, lotado de açúcar, só para ouvir as fofocas do dia: a Daniele finalmente deu pro Roberto, o que enfureceu a Gisele, que fora iludida com a hipótese de um relacionamento sério e espalhou para o departamento inteiro uma história tão cabeluda sobre a primeira, que o fez até despertar.
Futilidades à parte, volta à sua sala. Encara a pilha de processos em cima da mesa; recosta-se na cadeira, espreguiçando-se; respira fundo, entediado:
“Essa porra tá aqui desde semana passada, tenho que fazer essa merda.”
Mais uma olhadela para a pilha de papéis sobre a mesa, menção vacilante de levantar-se –
pega o maço de cigarros e abre o “Paciência”. Perde três vezes seguidas, desiste. Abre a caixa de e-mails: ri, sem vontade; encaminha, por continuidade; discute virtualmente com a namorada.
Atende o telefone, sua mãe aos berros, exigindo soluções; quase a manda pegar a conta de luz e enfiar no – mas a ligação cai. Decide tirar o telefone do gancho, era um homem muito ocupado.
Às vezes, via-se perguntando se era mesmo o parasita se, no final, ele próprio era sugado; pelas pessoas, pelos momentos, pela própria vida.
O relógio marca 18 horas.
Fim do expediente.

http://confetes.blogspot.com/

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